O tema da prescrição é popular inclusive fora do universo jurídico, isto porque, a prescrição tem o poder de tornar inexequível judicialmente uma dívida constante de título liquido, certo e exigível. Ou seja, mesmo uma dívida “válida” em todos os termos quando chegado o seu prazo prescricional deixa de poder ser exigido.
A despeito dessas considerações preliminares, já bastante conhecidas, a prescrição intercorrente lança luz sobre um ponto específico. A final, você sabe o que é prescrição intercorrente?
Esse artigo tem por objetivo esclarecer o tema da prescrição intercorrente especificamente nas execuções fiscais, isto é, que visam a satisfação de dívidas tributárias, tais como impostos, taxas, e outros tributos.
Para conceituarmos a prescrição intercorrente é preciso antes diferencia-la da prescrição comum/ordinária.
A prescrição comum pode ser entendida como a perda do direito de ação, isto é, de exigir judicialmente determinada prestação, dada a inação por um prazo específico de tempo. O artigo 174 do Código Tributário Nacional – CTN estabelece que a ação de cobrança do crédito tributário prescreve em 05(cinco) anos, contados da data da sua constituição definitiva.
Por exemplo, considere uma dívida tributária oriunda de atraso no pagamento do IPTU. Se o Município não exigir judicialmente do contribuinte em até cinco anos após o não pagamento, a dívida não poderá mais ser cobrada. Isso, a menos que ocorra qualquer dos caso de interrupção da prescrição conforme normatizado no Código Tributário Nacional.
A prescrição intercorrente, por outro lado, diz respeito a esse mesmo lapso temporal, mas dentro de processo já instaurado. Pode parecer simples, mas não é.
Digamos que, com base no mesmo exemplo citado acima, o Fisco Municipal tenha distribuído a ação de execução exigindo o IPTU antes do prazo de 05(cinco) anos. No entanto, após a primeira tentativa de citação do contribuinte, o Fisco, instado a se manifestar, permanece inerte por um prazo de 10 anos. Seria razoável esse processo perdurar indefinidamente? Claro que não, e é desse raciocínio que vem a prescrição dentro do processo, chamada de prescrição intercorrente.
Embora o conceito seja de fácil apreensão e entendimento, na prática, são exigidos diversos requisitos para configuração da prescrição intercorrente. Aqui serão expostos aqueles atinentes à execução de dívidas tributárias no Artigo 40 da LEF (Lei 6.830/80). Esses requisitos são interpretados a partir das teses definidas pelo STJ no REsp 1.340.533/RS.
Gosto da terminologia empregada pelo professor Alessandro Meliso Rodrigues, quando diz que a prescrição intercorrente só é verificada na ocorrência de uma “situação de crise” dentro do processo de execução ou cumprimento de sentença. Podemos verificar dentro do processo de execução, dois momentos que geram a “situação de crise”, são eles
Falha na citação
Todo processo de execução precisa da ciência da parte devedora para que se possa avançar para a fase de expropriação. Quando a citação não ocorre, instaura-se uma das situações de crise para contagem do prazo prescricional intercorrente.
No mesmo exemplo da dívida de IPTU, digamos que o Município distribui a ação, mas o Contribuinte não foi encontrado para ser citado. Diante disso, o juiz oportunizará o Município, via despacho, para requerer o que achar de direito, e tomando ciência, a Procuradoria do Município, do referido despacho inicia-se o prazo prescricional.
Inexistência de bens penhoráveis
Após a ciência do Contribuinte, a próxima evolução do processo de execução fiscal, não havendo o pagamento espontâneo da obrigação, é a busca de bens em nome do contribuinte para satisfazer a dívida.
Seguindo a lógica citada, se não houver bens para penhora ao cumprir a obrigação, começa o prazo prescricional. Este é contado a partir do conhecimento do Fisco, referente ao primeiro despacho que confirma a não localização de bens do contribuinte para saldar a dívida.
Importante asseverar que, embora o prazo se inicie em alguma das hipóteses “de crise”, este não começa a correr com base no artigo 40 (e incisos) da LEF. A norma cita prevê a suspensão automática do processo pelo período de 01(um) ano contados da ciência do Fisco sobre a citação frustrada ou a não localização de bens penhoráveis.
Passado o prazo da suspensão sem alteração da situação, o prazo prescricional passará a fluir normalmente. A execução restará prescrita, com base na prescrição intercorrente, decorridos cinco anos (mesmo período da prescrição ordinária/comum), caso não haja qualquer interrupção.
Diferente da suspensão que apenas trava o prazo, findada a suspensão este passa a fluir de onde parou. Na interrupção a contagem é reiniciada e começa do zero. As causas de interrupção do prazo prescricional estão intimamente ligadas às hipóteses “de crise”, sendo, em verdade, a solução da crise.
Citação do contribuinte
Sendo localizado o contribuinte vindo este a ser regularmente citado, interrompe-se o prazo prescricional intercorrente.
Efetivação de penhora
Sendo localizados bens penhoráveis em nome do contribuinte e, se desta localização resultar efetiva penhora, interrompe-se o prazo prescricional intercorrente.
Importante frisar que as regras expostas aqui, se aplicam à execuções fiscais, que visam a satisfação de dívidas tributárias. No entanto, neste tópico serão apresentadas as principais diferença entre a prescrição intercorrente em âmbito fiscal, e a prescrição intercorrente em âmbito civil.
A prescrição intercorrente é regulada pelo código de processo civil no artigo 921. Com a entrada em vigor da Lei nº 14.195/2021 que alterou diversas disposições do referido artigo, as regras do processo civil e fiscal se igualaram quase que inteiramente. Vejamos as regras antes e depois da nova lei.
Antes da Lei nº 14.195/2021
Antes da Lei nº 14.195/2021 a prescrição intercorrente civil era reconhecida somente no caso do executado não possuir bens penhoráveis. Em relação à suspensão do processo as regras eram semelhantes. A diferença se dava, no entanto, em relação à interrupção. A execução civil era interrompida todas as vezes em que o Exequente se manifestasse nos autos, mesmo que da manifestação não resulta-se localização de bens penhoráveis do executado. Na prática, os processos de execução tornavam-se intermináveis.
Depois da Lei nº 14.195/2021
Depois da Lei nº 14.195/2021 a prescrição intercorrente civil, praticamente se igualou à prescrição intercorrente fiscal. As hipóteses de crise passaram a ser as mesmas (não localização do executado, ou bens penhoráveis). Em relação à interrupção do prazo prescricional, passou a se operar quando da efetiva localização do executado ou de bens penhoráveis, e não mais, da manifestação do Exequente nos autos do processo.
Pode-se então verificar, que a prescrição intercorrente é um vital instrumento jurídico contra a eternização dos processos de execução, garantindo a segurança jurídica e a efetividade da cobrança.
A análise da prescrição intercorrente deve ser feita caso a caso, considerando as particularidades de cada processo. A seguir algumas balizas para aferição do prazo de prescrição intercorrente nos processos de execução fiscal:
Crise na citação
Crise na penhora
A prescrição intercorrente é um excelente matéria de defesa dos direitos dos contribuintes, pois na prática, pode provocar a extinção de processo de cobrança (execução), e consequentemente a retirada de restrições no nome do contribuinte. Em caso de dúvida sobre o tema busque auxílio profissional.